FONTE: Jota
A recém-publicada Instrução Normativa n. 01 da Fundação Cultural Palmares (“IN F n. 01/2018”) é de extrema importância para os empreendedores de atividades de infraestrutura já que ou a estabelecer novos procedimentos istrativos a serem observados no licenciamento ambiental de obras, atividades ou empreendimentos que impactem comunidades quilombolas. Tal norma traz mudanças relevantes em relação à antiga norma que regulamentava a matéria, IN F n. 01/2015, que foi expressamente revogada.
Em primeiro lugar, destaca-se que a IN F n. 01/2018 trouxe, em seu art. 2º, inciso I, o conceito, que não existia na IN F n. 01/2015, de comunidades quilombolas, qual seja, “os grupos étnico-raciais, segundo critérios de autoatribuição, com trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida, certificadas pela F”. Tal conceito não estava presente no antigo diploma.
Outro importante conceito foi o de “terra quilombola” que ou a ser definido da seguinte forma “terras tradicionalmente ocupadas pelas comunidades quilombolas, utilizadas para a garantia de sua reprodução física, social, econômica e cultural.” A definição anteriormente era regulada pela Portaria Interministerial n. 60/2015 que vinculava a terra quilombola à publicação do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (“RTDI”) do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (“INCRA”).
Ou seja, a atual regulamentação da F, ao flexibilizar a definição das terras quilombolas e dispensar a necessidade de RTDI, implicará, na prática, na necessidade de consideração de um número superior de “terras quilombolas” nos processos de licenciamento ambiental. Essa alteração parece ir de encontro às políticas que vem sendo anunciadas pelo futuro governo federal.
De acordo com a IN F n. 01/2018, a Fundação Cultural Palmares se manifestará nos processos de licenciamento ambiental a partir da solicitação formal do órgão ambiental licenciador. No caso de ser constatada a existência de processo de licenciamento de obra, atividade ou empreendimento que impactem comunidades quilombolas, sem que a F tenha sido instada a se manifestar, a F encaminhará ofício ao órgão ambiental licenciador motivando a necessidade de participação no processo.
Uma vez instada a se manifestar e sendo constatada a presença de comunidade quilombola em área de influência direta, a F emitirá Termo de Referência Específico, que conterá as exigências de informações ou de estudos específicos referentes à intervenção da obra, atividade ou empreendimento em comunidade quilombola, juntamente com mapa que a localize em relação a esses, a fim de subsidiar a realização dos estudos dos impactos relativos ao componente quilombola (“ECQ”) do licenciamento.
Os ECQ deverão ser executados por consultoria socioambiental especializada, a ser contratada pelo empreendedor, com o objetivo exclusivo de produzir peças técnicas necessárias à avaliação e posterior emissão de manifestação formal da F. Da análise do ECQ, a F, por meio do Departamento de Proteção ao Patrimônio Afro-Brasileiro, poderá (i) providenciar visita técnica junto às comunidades quilombolas, a fim de realizar consulta, nos moldes do disposto pela Convenção n. 169 da Organização Internacional do Trabalho (“OIT”) e/ou (ii) solicitar, uma única vez, mediante decisão fundamentada, esclarecimentos, detalhamentos ou complementações ao empreendedor.
A F, então, encaminhará manifestação conclusiva ao órgão ambiental licenciador competente, podendo: (i) recomendar o prosseguimento do processo de licenciamento, sob a óptica do componente quilombola; ou (ii) apontar a existência de eventuais óbices ao prosseguimento do processo de licenciamento, sob a óptica do componente quilombola, indicando as medidas ou condicionantes consideradas necessárias para superá-los.
Nota relevante é que a F não terá poder de veto ao licenciamento, mas poderá apenas destacar os eventuais obstáculos às comunidades quilombolas, desde que apresente medidas para superar os entraves do ponto de vista socioambiental. Vale observar que no antigo diploma normativo, a F não era obrigada a apresentar medidas para a suplantação dos óbices socioambientais.
Outra novidade da IN F n. 01/2018 é que os estudos do componente quilombola deverão ser distribuídos às comunidades quilombolas. A distribuição se dará por meio de duas versões, uma integral e outra resumida, em linguagem menos técnica e mais ível, em quantidade de exemplares que contemplem o número de famílias, e com prazo de antecedência que garanta a leitura e discussão nas comunidades quilombolas, antes das reuniões e consultas.
Uma situação que ou a ser contemplada pela IN F n. 01/2018, que, diga-se de agem, trazia grandes dúvidas às companhias com projetos de infraestrutura, foi a hipótese de surgimento de novas comunidades quilombolas na área de influência direta da obra, atividade ou empreendimento, durante a fase de instalação, operação ou renovação de operação. Nesse caso, a F oficiará o órgão licenciador sobre a observância de eventuais impactos socioambientais e a necessidade de adoção de medidas de prevenção, mitigação, controle e compensação desses impactos, que serão subsidiados por estudos complementares.
Por fim, vale destacar que a IN F n. 01/2018, diferentemente da IN F n. 01/2015, faz diversas referências expressas à Convenção n. 169 da OIT – promulgada no Brasil pelo Decreto nº 5.051/2004 -, que dispõe sobre povos indígenas e tribais e exige que as consultas às comunidades sejam livres, prévias e informadas.